Uma Conversa sobre o Brasil

Violência Urbana:
Problema de Segurança Pública ou Soberania Nacional?

O presente texto, no Tribuna da Guanabara, irá discorrer sobre um tema que está em evidência há algumas décadas: Violência Urbana. Essa mazela já está tão degradada na cidade do Rio de Janeiro que deixou de ser, há muito, um simples problema social e se tornou um direito fundamental. E deixo lhe deixo, caro leitor, uma reflexão: a Violência Urbana é um problema de Segurança Pública ou de Soberania Nacional? Boa leitura!

De acordo com um dicionário da língua portuguesa, a definição do substantivo Soberania é a “condição do Estado independente, dono de seu próprio território e imune do domínio estrangeiro.” Indo mais além, a Organização das Nações Unidas – ONU – conceitua o termo Soberania Nacional como “um regime em que cada Estado-membro possui autoridade suprema sobre seu território e assuntos internos, sem interferência externa.” Para a Brasil Paralelo, Soberania Nacional, é “a capacidade de um país de possuir autonomia nas principais decisões sobre seu território e sua população.” Tendo como base esses dois conceitos, pergunto-lhe, caro leitor, o Brasil possui soberania sobre seu próprio território?

Teoria Geral do Estado

A Teoria Geral do Estado explica que para a formação de um Estado Democrático de Direito há a necessidade de se unir três elementos fundamentais: Território, Povo e Governo. O primeiro diz respeito a seu espaço físico, o segundo, à sua população e o terceiro, à sua formação político-administrativa, ou seja, suas instituições, ordenamento jurídico, formas e sistema de governo. Esses elementos representam, literalmente, um tripé, isto é, se um cair, todos caem. Por exemplo: voltemos aos tempos antigos, mais precisamente, à época da Roma Antiga. A região onde hoje se encontram a França, Luxemburgo e Bélgica, naquela época, era conhecida como Gália (caro leitor, tenho certeza de que você já ouviu falar da dupla Asterix e Obelix. Eles eram gauleses). Claro. Não havia o conceito de nação como há hoje em dia, mas, mesmo assim, lá existiam os três elementos supramencionados. A região da Gália possuía um território, determinado por suas fronteiras, em que o povo gaulês – o mais famoso se chama Vercingetorix – respeitava as regras e leis impostas pelo seu governo. Quando Júlio César a conquistou em 50 a.C. – episódio descrito em seu livro chamado Commentarii de Bello Gallico – o território e aquela população foram todos incorporados à República Romana. Nisso, todo seu ordenamento jurídico foi extinto e eles passaram a obedecer ao governo e às leis de Roma. Uma curiosidade: os gauleses só receberiam a cidadania romana em 212 d.C. após a promulgação do Constitutio Antoniniana de Civitate pelo imperador romano Caracala.

Avançando a história para os tempos contemporâneos, essa questão ocorre no Brasil, mas de um jeito diferente: não é uma legião estrangeira que dominou uma determinada localidade, mas sim o crime organizado, e, por que não, Narcoterroristas? Focando na cidade do Rio de Janeiro, essas localidades são, normalmente, bairros ou áreas pobres, que, salvo raríssimas exceções – Carlos Lacerda – são negligenciadas pelo Poder Público há décadas. Por consequência, toda essa omissão (ou conivência?) e políticas criminais de governo, contribuíram para o avanço e fortalecimento das organizações criminosas que, hoje em dia, enxergam essas localidades, especialmente as comunidades carentes, como mais uma, se não a principal, fonte de renda.

Para resumir esse parágrafo, caro leitor: NÃO EXISTE VÁCUO NO PODER!!! Na ausência de quem possa exercer o poder, o vazio será preenchido por outro agente. Logo, não há Soberania Nacional quando o Estado deixa Organizações Criminosas ou Narcoterroristas dominarem uma determinada localidade DENTRO DO PRÓPRIO TERRITÓRIO NACIONAL!!!

Da Soberania Nacional – Na Constituição

A fim de demonstrar e explicar que o Estado brasileiro não se encontra presente nessas localidades e enfatizar que elas estão ocupadas por forças paramilitares – gostaria de destacar apenas 1 princípio fundamental, exposto no Art. 1 da CF/88, e alguns direitos e garantias que são usurpados por essas organizações criminosas, além de trazer-lhe, caro leitor, algumas infrações penais que parecem que são inexistentes.

Art. 1 – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I) a soberania;

O inciso em destaque, possui duas vertentes: a externa e a interna. No âmbito da Soberania Nacional EXTERNA, o Brasil se declara tão livre e independente quanto aos outros; não será subjugado por nenhuma outra nação e não atenderá interesses de terceiros, somente os do Brasil e de seu povo. Já no contexto INTERNO, diz respeito ao império das leis dentro do território nacional. Toda norma legal que seguir os ritos legislativos da Constituição Federal (para saber mais clique aqui e leia o texto Conhecendo o Brasil: O Processo Legislativo), das Constituições Estaduais e das Leis Orgânicas dos Municípios, devem ser cumpridas tanto por particulares quanto por servidores públicos, eleitos ou não. Quem as desrespeitar sofrerão as devidas e respectivas sanções administrativas, sem prejuízo das penais e cíveis. Além disso, há os direitos e garantias fundamentais, concentrados no título II da Constituição Federal de 1988, que são o alicerce para a nossa vida e convivência em sociedade e, como todo direito, possuem limites, ou seja, não são absolutos. Dito isso, é a própria lei que deve informar ao cidadão até onde ele poderá exercê-lo e, caso ultrapassado esse limite, é o Estado, mediante seus agentes, que deve impor a lei e a ordem; é a lei que deve imperar e não a vontade alheia. Em suma, o território nacional deve estar sob a jurisdição do Estado, se não o está, é porque este Estado não funciona e não está mais presente ali dentro.


Dos Direitos e Garantias Fundamentais

Art. 5 – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

II) ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

VI) é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;  

XIII) é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XV) é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens.


Os incisos em destaque (sem prejuízo de outros) garantem ao cidadão, em território nacional, os seguintes DIREITOS

II) Legalidade Constitucional: Tudo se resume à lei. Você, cidadão, pode fazer tudo que a lei não proíbe. 

VI) Liberdade Religiosa

XIII) Liberdade de Trabalho

XV) Liberdade de Locomoção; o famoso Direito de ir e vir.

Como o Estado, representado por suas instituições, é omisso ou nulo, esse espaço é preenchido pelas organizações criminosas que estabelecem seus próprios regimes autoritários com regras perversas para moradores dessas comunidades, podendo até, afetar a população de uma cidade inteira. Então, caro leitor, você acredita que os incisos supramencionados são vigentes nesses locais ocupados e dominados por essas organizações criminosas? O Estado Democrático de Direito como conhecemos possui Soberania Nacional nesses locais? 

Ocupação e Dominação Territorial

Como se foi explicado, não há vácuo no Poder. Se o Estado não exercer sua soberania em determinada área, alguém vai fazê-lo. No caso do Brasil, especialmente, nas favelas do Rio de Janeiro, são as Organizações Criminosas ou Narcoterroristas que preenchem essa brecha. Nessas localidades carentes há um número altíssimo de pessoas que vivem em situações precárias pois não possuem acesso às condições mínimas de saneamento básico, morando em locais insalubres em que a coleta de lixo é quase nula; sistema de saúde e educação, são quase inexistentes; segurança pública, não existe. Logo, por exemplo, se alguma mulher estiver sofrendo uma situação criminosa de Maria da Penha, a polícia não chega e, por conseguinte, ela fica ainda mais vulnerável.

A escalada da violência é tamanha que organizações criminosas já se estabeleceram nesses territórios, impondo leis e regras, e, já há alguns anos, começaram a demarcar seus próprios territórios, pasmen, dentro da cidade do Rio de Janeiro, com barreiras físicas chamadas de barricadas. Elas são a clara demonstração da audácia dessas organizações criminosas que afrontem, ainda mais, a Soberania Nacional, porque barreira físicas de limitação de território são comuns entre países para evitar imigração ilegal ou invasão território de uma nação estrangeira. Um exemplo é o muro construído na fronteira entre Estados Unidos e México. Então, caro leitor, imagine que você está transitando normalmente em uma determinada rua, dentro da cidade do Rio de Janeiro e, ao acessar uma outra, você se depara com uma barricada. Teoricamente, aquele território ainda é a cidade carioca, mas na prática, você estaria ingressando em um terreno “estrangeiro” que pode ser interpretado como uma invasão inimiga. Quer um exemplo? Quantas reportagens você, caro leitor, já assistiu ou leu onde pessoas morreram ou foram baleadas ao errarem o caminho e entrarem por engano em uma favela? ISSO NÃO É NORMAL!!!

As Organizações Criminosas ou Narcoterroristas enxergaram que território é sinônimo de aumento das receita, logo, há uma expansão para outras atividades. Quer um exemplo? Quantas pessoas você, caro leitor, conhece que usam drogas? Pense em um número. Agora, pergunte-se: quantas pessoas você conhece que acessam à internet? Quantas pessoas necessitam de gás de cozinha? Quantas pessoas assistem televisão? Vale destacar que o crime de Tráfico de Drogas é classificado como inafiançável e insuscetível de graça ou anistia pela Constituição Federal (Art. 5, XLIII) e está previsto na Lei 11.343/06 que, de acordo com o PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE do Direito Penal, ela recebe um rito material e processual próprio, sendo subsidiárias as atuações do Código de Processo Penal ordinário e a Lei de Execuções Penais, ou seja, só irão preencher lacunas não previstas na referida lei especial. Vejamos a observação constitucional e a tipificação na Lei de Drogas:


Constituição Federal

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIII) a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura , o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;


Lei de Drogas – Lei 11.343/06 

Art. 33 – Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, VENDER, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena – reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa.

Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.

Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de 2/3 da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.


Caro leitor, imagine a seguinte hipótese: se uma pessoa te obrigar a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não é determinado por lei, ela estará incorrendo no crime de Constrangimento Ilegal, crime tipificado no Código Penal e descrito no Art. 146.


Constrangimento Ilegal

Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

Aumento de pena

§1º – As penas aplicam-se cumulativamente e em dobro, quando, para a execução do crime, se reúnem mais de três pessoas, ou há emprego de armas.

§2º – Além das penas cominadas, aplicam-se as correspondentes à violência.

§3º – Não se compreendem na disposição deste artigo:

I) a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida;

II) a coação exercida para impedir suicídio.


Agora, vamos adentrar um pouco no assunto Teoria da Pena, que se encontra no Título V do Código Penal. Nesta parte, há a descrição das espécies de pena aceitas no ordenamento jurídico brasileiro e suas respectivas explicações. Vejamos: 


Espécie de Penas

Art. 32 – As penas são:

I) privativas de liberdade;

II) restritivas de direitos;

III) de multa.

Das Penas Privativas de Liberdade

Reclusão e Detenção

Art. 33 – A pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semi-aberto ou aberto. A de detenção, em regime semi-aberto, ou aberto, salvo necessidade de transferência a regime fechado.

§1º – Considera-se:

a) regime fechado a execução da pena em estabelecimento de segurança máxima ou média;

b) regime semi-aberto a execução da pena em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar;

c) regime aberto a execução da pena em casa de albergado ou estabelecimento adequado.


O número de pessoas que vivem em uma favela na cidade do Rio de Janeiro, facilmente, entra na casa das dezenas de milhares. Então, são dezenas de milhares de possíveis consumidores de TV à cabo e internet. Logo, vale muito mais a pena o criminoso obrigar (contranger) algum morador a assinar esse serviço clandestino de internet, do que vender drogas, pois além daquele ser muito mais rentável, ganhando-se na quantidade de compradores, a cominação legal; a punição imposta pelo Estado, é muito mais branda; é muito mais flexível. Como se pode verificar, na Reclusão, como é o caso do Art. 33 da Lei de Drogas, o cumprimento da pena pode ser iniciado no Regime Fechado, que é aquele onde o prisioneiro fica “muito preso”. Além disso, ele não pode responder em liberdade porque não há a possibilidade de pagamento de fiança e nem ser agraciado com nenhuma comutação constitucional de pena. Logo, o sistema punitivo da lei especial é muito mais rigoroso daquele. 

Esse é um dos principais motivos pela busca da ocupação e dominação territorial, que por consequência, resulta na perda da Soberania Nacional, nesses territórios. O Jus Puniendi do Estado é mais clemente com certas práticas criminosas quando comparadas com as condutas tipificadas na Lei de Drogas.

Problema x Solução

O problema central da segurança pública do Brasil está, justamente, na Constituição.

I) Art. 144, caput – Só o Estado brasileiro é responsável pela proteção do cidadão;

II) Art. 144, incs. I, II, III, IV, V e VI – Rol Taxativo para os órgãos de Segurança Pública;

III) Art. 144, §6º – Gestão da Segurança Pública aos Estados e à União;

IV) Art. 22, inc. I – Atribuição exclusiva da União de legislar sobre direito penal.

Mas há Solução?

Sim, há. Mas, para esse fim, há de se haver uma integração das forças de segurança públicas, federal e estadual, no compartilhamento de informações e no apoio logístico, bélico e material, nas operações para retomadas desses território pelo Estado brasileiro; e, a principal, autorização (interesse!!!!) para o Poder Legislativo Estadual elaborarem suas próprias legislações criminais pelo Congresso Nacional (Há de se ter interesse!!!) – atendendo ao disposto no Parágrafo Único do Art. 22 da Constituição Federal – porque, como diz o Art. 144 da CF/88, cabe aos governadores de estado a gestão da segurança pública, logo, cada Estado sabe quais são suas respectivas demandas em relação a essa matéria. Essa referida lei complementar existe. É o PLP 215/2019.


Constituição Federal

Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:

I) direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Art. 144 – A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I) polícia federal;

II) polícia rodoviária federal;

III) polícia ferroviária federal;

IV) polícias civis;

V) polícias militares e corpos de bombeiros militares.

VI) polícias penais federal, estaduais e distrital.

§6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército subordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.


Para finalizar, deixo-lhe o conceito de Estado definido por Max Weber: O Estado é aquela comunidade humana que, dentro de um determinado território, reivindica para si o monopólio da coação física legítima.

Uma Imagem Vale Mais do que 1000 Palavras

Mapa das Facções

Qual é a sua opinião, caro leitor? Você acha que o problema da violência urbana é de Segurança Pública ou Soberania Nacional? O Brasil se enquadra nesse conceito de Estado formulado por Max Weber?

Obrigado e até o próximo texto.

“Para que o mal vença, basta o silêncio dos bons” (Edmund Burke)