O presente texto do Tribuna da Guanabara irá apresentar-lhes uma série de textos intitulada “Conhecendo o Brasil”. A proposta é mostrar-lhe, caro leitor, como funciona o Brasil, extraindo, especialmente, da Constituição Federal de 1988 suas formalidades e burocracias. No presente texto, iremos falar um pouco sobre a Organização político-administrativa do Brasil e seu processo legislativo federal, ou seja, quais são as regras de criação de uma lei, desde sua propositura até sua sanção/veto. O mais importante é mostrar-lhe como o Brasil é muito centralizado, tendo as principais decisões do País, que irão interferir diretamente na sua vida, podendo ser discutidas e decidias somente em Brasília, logo, longe de você que mora no Brasil.
Já lhes deixo claro, caro leitor: eu, Leonardo de Oliveira, sou muito a favor do movimento Mais Brasil e Menos Brasília pois acredito que a melhor forma de gerir um país continental é descentralizando o poder, isto é, dando capacidade legislativa e administrativa plena para os 27 estados federativos e para os 5.569 municípios poderem atender suas respectivas necessidades, pois eu lhe garanto que um município no interior de Roraima possui demandas muito diferentes de Porto Alegre.
Boa Leitura!
Caro leitor, você pode visualizar um breve resumo de nossas antigas constituições no texto chamado Constituição: A Carta Magna e conhecer um pouco mais sobre as diferente FORMAS DE ESTADO no texto chamado “Formas de Estado: Federação ou Confederação?”.
A Organização do Estado está compreendida no Título III da CF/88 que está subdividido em 7 capítulos e começa no art. 18 e finaliza no art. 43. O artigo que explicita essa massiva concentração de poder na União é o 22º. Então, iremos focar nele. Já adianto que você, caro leitor, verá que os principais assuntos devem vir de Brasília – Congresso Nacional – respeitando os processos legislativos da Câmara dos Deputados e Senado, onde há 594 congressistas.
– Competências Privativas
Art. 22 – Compete privativamente à União legislar sobre:
I) direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho;
II) desapropriação;
III) requisições civis e militares, em caso de iminente perigo e em tempo de guerra;
IV) águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
V) serviço postal;
VI) sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais;
VII) política de crédito, câmbio, seguros e transferência de valores;
VIII) comércio exterior e interestadual;
IX) diretrizes da política nacional de transportes;
X) regime dos portos, navegação lacustre, fluvial, marítima, aérea e aeroespacial;
XI) trânsito e transporte;
XII) jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia;
XIII) nacionalidade, cidadania e naturalização;
XIV) populações indígenas;
XV) emigração e imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros;
XVI) organização do sistema nacional de emprego e condições para o exercício de profissões;
XVII) organização judiciária, do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios e da Defensoria Pública dos Territórios, bem como organização administrativa destes;
XVIII) sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais;
XIX) sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular;
XX) sistemas de consórcios e sorteios;
XXI) normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares;
XXII) competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais;
XXIII) seguridade social;
XXIV) diretrizes e bases da educação nacional;
XXV) registros públicos;
XXVI) atividades nucleares de qualquer natureza;
XXVII) normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III
XXVIII) defesa territorial, defesa aeroespacial, defesa marítima, defesa civil e mobilização nacional;
XXIX) propaganda comercial.
XXX) proteção e tratamento de dados pessoais
É isso mesmo, caro leitor! Dando uma rápida olhada, há 30 incisos. Sendo que alguns deles estão aglutinados, logo, percebe-se que o número de matérias que só podem ser propostas e resolvidas em Brasília é elevadíssimo!!!
– Do Processo Legislativo
Art. 48 – Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União
– Nasce uma Lei
Art. 61 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
Uma legislação surge através de um Projeto de Lei elaborado somente pelos agentes descritos no Art. 61, sendo que cada tem sua competência legislativa delimitada pela própria Constituição Federal. São eles:
I) Deputado Federal e Senado (Art. 22, Art. 24 e Art. 48)
II) Presidente da República (Art. 61, § 1º)
III) Supremo Tribunal Federal (Art. 93)
IV) Tribunais Superiores (Art. 96, inc. II)
V) Ministério Público (Art. 127, § 2º)
VI) Cidadão (Art. 14, III; Art. 61, § 2º)
– Das Comissões
Art. 58 – O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.
§ 2º Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:
I) discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;
Um projeto de lei antes de ser deliberado pelo plenário da casa, deve ser avaliado em uma comissão (Art. 58, § 2º, inc. I), a mais famosas é a CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania) que tem o papel de discutir a constitucionalidade e legalidade desse PL. Esse processo não é instantâneo, leva-se tempo até sua conclusão. Finalizado a análise na comissão, há a necessidade do Presidente da Casa colocá-lo na Ordem do Dia pois essa função é de sua competência. Isso demanda, principalmente, INTERESSE!
– Do Quórum
Art. 47 – Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.
Organizado a pauta do dia com o projeto de lei aprovado em uma Comissão, há a necessidade de quórum que é um número específico de parlamentares necessário para a aberturas dos trabalhos legislativos e para a aprovação das leis. Se ela for classificada como ordinária é preciso maioria simples dos membros, se for complementar, requere-se maioria absoluta.
I) Câmara dos Deputados: 513 membros
a) Maioria Simples: 50% + 1 dos presentes em Plenário.
ex: Presença de 200 membros, basta 101 votos para a aprovação de um PL.
b) Maioria Absoluta: 257 membros.
II) Senado: 81 membros
a) Maioria Simples: 50% + 1 dos presentes em Plenário.
ex: Presença de 20 membros, basta 11 votos para a aprovação de um PL.
b) Maioria Absoluta: 41 membros.
– Da Discussão
Art. 65 – O projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra, em um só turno de discussão e votação, e enviado à sanção ou promulgação, se a Casa revisora o aprovar, ou arquivado, se o rejeitar.
Parágrafo único. Sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.
Respeitando o quórum necessário descrito no parágrafo anterior, há a discussão desse Projeto de Lei em cada casa pois o Poder Legislativo federal é bicameral (art. 44). Para piorar: está localizado em Brasília, longe da população!!! Se ele não sofrer nenhum tipo de revisão, ele é aprovado e segue para as próximas etapas. Porém, se sofrer qualquer edição, ele volta para a casa anterior para reiniciar o processo de deliberação.
Todo esse processo demanda tempo e interesse!!!
– Da Aprovação
Art. 66 – A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.
Aprovado o Projeto de Lei, ele é enviado ao Presidente da República para sua análise. A partir desse ponto, há 2 caminhos a serem seguindos: sancionar e promulgar, ou, vetar.
– Da Sanção Presidencial
Art. 84 – Compete privativamente ao Presidente da República:
IV) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;
Essa etapa é finalizadora. A partir desse ponto o que era Projeto se torna Lei. Salvo disposição ao contrário, ela passa a vigorar em nosso ordenamento jurídico a partir de sua publicação no Diário Oficial da União.
– Do Veto Presidencial
Art. 84…
V) vetar projetos de lei, total ou parcialmente;
Se o Presidente da República escolher o veto, aí, inicia-se um novo trâmite com 3 novos caminhos: a manutenção do veto; a promulgação desse Projeto de Lei pelo Presidente da República ou pelo Presidente do Senado.
Art. 66…
§ 1º – Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.
4º – O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.
– Da Manutenção do Veto
Art. 67 – A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional.
– O Veto do Veto: Promulgação pelo Presidente da República
Art. 66…
§ 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República
– O Veto do Veto: Promulgação pelo Presidente do Senado
Art. 66…
§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.
Pronto. Terminou!
Porém, caro leitor, você viu como é moroso o processo legislativo das matérias elencadas no Art. 22 da Constituição Federal? Garanto que esse processo seria muito mais dinâmico e rápido se os Estados-Membros fossem autorizados a legislar de forma plena sobre aqueles assuntos; se não todos, pelos menos alguns. Por exemplo, as Assembleias Legislativas dos Estados são unicamerais e possuem um número menos de parlamentares que o Congresso Nacional (Art. 27). A ALERJ possui 70 Deputados Estaduais; a ALESP, 94; a ALMG, 77; a ALES, 30.
– Autorização Constitucional para os Estados-Membros
A CF/88 trouxe essa possibilidade:
Art.22…
Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.
Quer ver um exemplo? Existe um Projeto de Lei Complementar que, segundo sua própria descrição, “autoriza os Estados e o Distrito Federal a legislar sobre questões específicas de Direito Penal e de Direito Processual Penal.” É o PLC 215/2019. Esse é um exemplo claro que o processo legislativo depende de interesse!!!
Se você, caro leitor, clicar nesse link, vai verificar que esse PLC foi apresentado à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e recebido pela CCJC (Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania) em 2019 e lá tramitou até 2024. Sua situação atual é “pronta para Pauta no Plenário“. O que está faltando para o atual Presidente da Câmara colocá-lo na Ordem do Dia? E você aí, caro leitor, pagador de imposto, cidadão comum, sofrendo e muito com o aumento exponencial da violência urbana (Violência Urbana: Problema de Segurança Pública ou Soberania Nacional?). A deliberação de “questões específicas de Direito Penal e de Direito Processual Penal” pela Assembleia de seu Estado não atenderia mais rapidamente a sua necessidade? Não estou afirmando que resolveria o problema, mas o processo legislativo seria mais rápido e aquele Deputado Estadual omisso ou Presidente da Assembleia Legislativa negligente estariam mais vulneráveis à pressão da população local.
Como visto, as principais pautas legislativas estão concentradas em Brasília. Só podem ser iniciadas, discutidas, votadas e promulgadas pelo Congresso Nacional. E o pior, você caro leitor, pagador de imposto, cidadão comum, não participa de nada!!!! Se quer existe alguma disposição constitucional autorizando a população a intervir de ofício nesse processo.
A ideia seria algo similar como:
“Art. 61…
§2º-A – A Manifestação Popular Legislativa poderá ser exercida diretamente pela população através de um abaixo-assinado, eletrônico ou impresso, atingindo no mínimo um por cento do eleitorado nacional, distribuído em pelo menos sete Estados, com o objetivo de priorizar os projetos de lei a serem deliberados pelo Congresso Nacional.”
Para finalizar, caro leitor, te deixo uma pergunta: você acredita mesmo que um determinado parlamentar, nativo de São Luís, morando em Brasília, está preocupado ou focado nos problemas de Florianópolis?
Obrigado e até o próximo texto.
“Para que o mal vença, basta o silêncio dos bons” (Edmund Burke)